Advogados devem liderar a recuperação da civilidade nos EUA, diz voz da classe

Advogados devem liderar a recuperação da civilidade nos EUA, diz voz da classe

Os Estados Unidos são um país de duas tribos que vivem em guerra. São dois partidos políticos, o republicano e o democrata. E duas ideologias, a conservadora e a liberal — e duas posições radicalmente opostas sobre tudo. No meio, vivem os “independentes”, que são obrigados a escolher um dos dois lados quando têm de decidir alguma coisa, porque não têm alternativas. Na periferia, vivem os alienados e desinteressados.

Nesse caldo de cultura, se desenvolveu uma incivilidade crônica, que vem se agravando a cada ano. A falta de civilidade se tornou “um grande problema” no país, segundo 93% dos americanos entrevistados em uma pesquisa da Weber Shandwick, em 2019. Em outra pesquisa da Pew Research, também de 2019, 68% dos entrevistados vêm essa “incivilidade explícita” na política, em que se deveria “manter um tom de civilidade e respeito”.

Mas os políticos não são os únicos contaminados pela incivilidade. Esse mal é constantemente observado na mídia social, escreveu a ex-presidente da American Bar Association (ABA) Judy Perry Martinez, em um artigo para o Jornal da ABA. E a polarização do país é acirrada pela imprensa, que se posiciona como republicana-conservadora ou como democrata-liberal, na maioria dos casos — e endurece a posição das pessoas.

A guerra entre as duas tribos se agravou nos meses finais de 2019, com as investigações da Câmara dos Deputados que resultariam no impeachment do presidente Donald Trump. E vai piorar em 2020. Já no início do ano, o Senado vai julgar o impeachment de Trump. Durante todo o ano haverá campanhas eleitorais. Em novembro, haverá eleição para presidente, dois terços dos senadores e para todos os deputados federais — entre outras.

Nesse ano eleitoral, a ex-presidente da ABA espera um show de incivilidade. Por isso, ela apela aos advogados, juízes e promotores para liderar a recuperação da civilidade no país, por discurso e por exemplo. Ela pede aos operadores do Direito que se lembrem de Abraham Lincoln, o “grande advogado-presidente” dos EUA. Ele disse: “Não devemos ser inimigos. Embora a paixão nos estremeça, ela não pode quebrar nossos laços de afeição”.

Judy Martinez quer que os operadores do Direito tornem 2020 o ano da civilidade, para se contrapor às tendências políticas. Muitos advogados, promotores e juízes assumiram cargos políticos. Muitos atuam nos tribunais com frequência, onde discutem questões contenciosas. Muitos resolvem disputas fora dos tribunais. Todos aprenderam, desde a faculdade, as regras de conduta profissional e, em algum momento, juraram cumpri-las.

Os operadores do Direito vivem em um mundo de negociações, disputas, conflitos e contenciosos, como se queira qualificar grande parte de suas atividades. Nesse ambiente, eles têm de usar a civilidade como uma ferramenta de trabalho. Isso os qualifica, naturalmente, como líderes que podem ajudar o país entender como as pessoas podem lidar com as diferenças, mesmo que profundas, de uma maneira civilizada, para o bem geral.

A ex-presidente da ABA entende que essa é uma responsabilidade dos advogados. O Código de Ética diz que os advogados devem defender, com comprometimento e dedicação, os interesses dos clientes e zelar pela advocacia. Mas o fato de agirem com a necessária diligência não requer o uso de táticas ofensivas, nem os impede de tratar todas as pessoas envolvidas no processo legal com cortesia e respeito.

Civilidade requer respeito, moderação, cortesia e empatia. Grosserias, ameaças, assédios morais e ataques pessoais não têm nada em comum com a civilidade, ela diz.

O órgão de controle e administração da ABA, a House of Delegates, é um modelo da utilidade do debate e do processo construtivo de tomada de decisão. Algumas resoluções são vigorosamente debatidas, com grupos se posicionando fortemente em lados opostos, às vezes conflitantes. Mas, depois de um debate respeitoso, uma decisão é tomada de colocar a resolução em votação ou de retirar a proposta. Não há linguagem abusiva, ataques pessoais, acusações, obstruções ou tripudiação. No final, a decisão é de todos.

Tais resultados são similares ao que transpira — ou deve transpirar — nos tribunais há séculos. Duas partes defendem ardorosamente seus casos, o juiz ou o júri toma uma decisão e, se for justa e de acordo com a lei, as partes a aceitam e vão em frente. Se não parecer justa a uma parte, ela recorre a uma instância superior e pronto.

Mas a civilidade e o respeito mostrados dentro da sala de julgamento são as garantias da capacidade do sistema judicial de manter a legalidade, diz a ex-presidente da ABA.